Como a BR, a EFC também mata, tanto bicho quanto gente.
Maria Raimunda, de 70 anos, moradora de Santa Rosa dos Pretos, perdeu o filho mais velho, José Benedito Vieira dos Santos, atropelado por um trem da Vale em 22 de julho de 2009.
Ele trabalhava com carregamento de madeira para São Luís juntamente com dois irmãos e um amigo. Era noite já quando os quatro homens aguardavam o caminhão que carregava a madeira ir buscá-los e levá-los pra casa. Estavam próximos aos trilhos da EFC, que precisariam cruzar para ir embora.
José Benedito estava cansado da jornada longa e pesada, e sentia fome. Ele e os companheiros passaram o dia com dois peixes e um punhado de farinha. A água já tinha terminado.
Zé Biné, como era chamado, sentou-se no trilho e acabou adormecendo, a cabeça amparada pelos braços cruzados sobre os joelhos.
“O trem pegô ele nove hora da noite. Levaro ele pra Santa Rita, de Santa Rita foi pra São Luís, em São Luís limparo ele, enchero ele de pano, de algodão, que não sei nem como que foi. Eu nunca esperava de ver ele nessa situação… meu primêro filho. Foi um pedaço de mim que saiu. Não gosto nem de falar. Nunca teve solução nenhuma. Ele ia inteirar 28 anos, era novo. Até hoje eu me lembro a situação que ele chegô aí. Agora mesmo eu tava deitada, tava me lembrano, quando eu ia oiá ele ali no caixão, com as mão nos peito, as unha tudo suja de terra, suja de sangue. A boca dele assim… Só os irmão que viro o jeito que ele ficô lá, acho que ficô só os pedaço. O sangue derramô todo. E por isso ficô. Só quem ficô com a dor foi eu, e um vazio que nunca preenche.”
Maria Raimunda diz que chorou a morte do filho todos os dias durante um ano, sem falhar nenhum. Ainda hoje espera que ele converse com ela em sonhos, mas Zé Biné não aparece. “Às vezes é assim mesmo. Tem um dizer na reza que quem fica pra trás fecha as portas, e quem vai daqui quer sossego. De tudo ele vai se esquecendo, só de Deus ele vai se lembrando. E aí se acabou.”
De acordo com registros da Vale, entre janeiro de 2006 e três de maio de 2018, ao longo da extensão da EFC entre Pará e Maranhão, 41 pessoas foram mortas pelos seus trens.
Maria Raimunda diz que nunca recebeu qualquer assistência da empresa e tão pouco foi indenizada por ela pela morte do filho. Na planilha de acidentes enviada pela Vale à reportagem, Zé Biné não consta sequer como número. A morte dele não foi contabilizada pela transnacional.
A reportagem enviou à mineradora uma série de perguntas sobre infraestrutura de segurança para pedestres, demandas das comunidades por segurança nos trilhos, assistência oferecida pela empresa a vítimas de atropelamentos e suas famílias, a ausência de Zé Biné nas estatísticas de mortes causadas pelos trens da empresa, indenizações a quilombolas impactados pela instalação da EFC nos anos 1980, entre outros temas.
A Vale não respondeu a nenhuma delas. Apenas informou, genericamente, que é uma empresa comprometida com a redução do número de ocorrências em suas operações ferroviárias. “Em 2017, as ferrovias da Vale (Estradas de Ferro Vitória a Minas e Carajás) ocuparam as duas melhores colocações em ranking comparativo de índices de segurança das ferrovias brasileiras”, diz a nota oficial.
A transnacional também informou que mantém uma série de iniciativas para mitigar os eventuais impactos de sua operação, e que atua de forma permanente para que tanto a sinalização quanto as travessias seguras da EFC estejam sempre em boas condições de uso.
Afirmou, ainda, que promove a conscientização por meio de campanhas e parceria junto às comunidades, e ressalta que é fiscalizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) quanto a fatores de segurança ligados aos trilhos e demais estruturas operacionais, sinalização de passagens em nível, conservação da ferrovia, entre outros pontos.